Eis que um dia se foi

Eis que um dia se foi

30 janeiro 2011

Os meus versos

Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!


Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!…


Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente…


Rasgas os meus versos… Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!…
                                                                   (Florbela Espanca)

28 janeiro 2011

Soneto de Separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.



                                         (Vinícius de Moraes)

23 janeiro 2011

O Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry)


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos...
eles respiravam de antemão o ar 
que estava à frente,
e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo,
falavam e riam para dar matéria peso 
à levíssima embriaguez que era
a alegria da sede deles.
(Clarice Lispector).

Aprendizado

Do mesmo modo 
que da alegria 
foste ao fundo
e te perdeste 
nessa perda 
deixa que a dor  se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
                      (Ferreira Gullar).

22 janeiro 2011

O Haver

Resta, acima de tudo essa capacidade de ternura.
Essa intimidade perfeita com o silêncio 
Resta essa voz intima pedindo perdão por tudo 
-Perdoai-os! porque eles não tem culpa de ter nascido...


Resta essa imobilidade, essa economia de gestos 
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de 
quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa a poesia não vivida.


Resta esse diálogo cotidiano com a morte,
essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta 
como uma velha amante
Mas recuará em véus ao me ver junto à bem-amada...


Resta esse constante esforço
para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda.
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha.
Essa terrível coragem 
diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
                                                   (Vinícius de Moraes)


Intimidade 

Sonhamos juntos 
Juntos despertamos
o tempo faz ou desfaz
enquanto isso
quero que me relates 
a pena que te calas

de minha parte te ofereço
minha ultima confiança
estás sós
estou só
pode a solidão
ser uma chama.
                             (Mário Benedetti)